O agrônomo Fernando Reis cogitava seriamente jogar a toalha e desistir da Gênica, a startup de insumos biológicos que fundou ao lado do professor de biologia molecular da Esalq, Carlos Abate. Naquele início de 2018, as coisas não iam bem. Até que Pepônio, como o empreendedor é conhecido, foi interpelado pela esposa. “Se o fundo investiu, alguma coisa boa deve ter”.
Seis anos depois, o conselho se mostrou profético. A SP Ventures, a gestora de venture capital que havia apostado na startup em 2017, viu o potencial. De lá para cá, a Gênica não só atravessou a rebentação dos primeiros anos, como se tornou um dos principais expoentes do pulsante mercado brasileiro de insumos biológicos.
Nesta quarta-feira, a startup nascida no Vale do Piracicaba fez história. Contrariando o mau-humor que aflige as indústrias de insumos agrícolas, a Gênica acaba de ser avaliada em cerca de US$ 100 milhões (post money)), apurou The AgriBiz.
A rodada foi liderada pelos japoneses da Mitsubishi — que dispensa apresentações —, que colocaram R$ 50 milhões na startup. Ao todo, a Gênica levantou R$ 68 milhões, trazendo para o captable o Banco do Brasil.
O banco estatal, o maior financiador do agronegócio brasileiro, investiu na Gênica por meio de um fundo de corporate venture capital gerido pela Vox Capital. A SP Ventures, a gestora comandada por Francisco Jardim, acompanhou o investimento na startup.
Ao que tudo indica, a captação da Gênica não vai parar por aí. Uma extensão da rodada pode ocorrer em breve, trazendo a rodada total para mais de R$ 80 milhões com a entrada de uma gestora brasileira de impacto.
Ao emplacar a rodada, a Gênica mostra que a venda da Biotrop não foi um furor isolado. Os termos da rodada só reforçam isso. Os novos investidores estão pagando um múltiplo da ordem de 12 vezes o Ebtida projetado, o que não está muito distante das métricas obtidas pelo Aqua Capital na venda da Biotrop.
Procurada, a Gênica não quis abrir detalhes sobre os números da rodada.
Galaq, o nome que mudou o jogo
A histórica rodada da Gênica, no entanto, não aconteceria sem a participação de um dos maiores talentos do Vale do Piracicaba. Das dúvidas de Fernando Reis sobre a sustentabilidade do negócio até a emergência da Gênica como uma potência, um personagem foi fundamental: o agrônomo Marcos Petean, que se tornou sócio e assumiu como CEO em 2018.
Egresso da área comercial da Agrivalle, companhia de biológicos controlada pela 10b/Tarpon, Petean (o Galaq, como é conhecido entre os esalqueanos) logo mostrou que a contratação tinha razão de ser, afastando as dúvidas que alguns tinham com o negócio.
Se nos primeiros anos a Gênica esbarrou na dificuldade de transformar a promessa de uma vacina contra a ferrugem da soja em realidade num prazo rápido, a vinda de Petean deu tração comercial a um portfólio mais amplo, disse um concorrente que acompanha de perto os passos da startup.
“Galaq chegou buscando formas de gerar vendas. Ele conseguiu revendas médias (3 a 7 lojas) enquanto os outros estavam focando nos grandes”, contou essa fonte, sob a condição de anonimato.
“O grande movimento que mudou a história foi a chegada do Galaq. Ele mudou o jogo”, costuma dizer Reis, que não cansa de contar em eventos com empreendedores sobre a transformação radical da Gênica após a atração de Petean.
À frente da Agroadvance, Reis não está mais no dia a dia da Gênica há algum tempo. Ele permanece como um sócio importante e membro do conselho de administração, mas a startup de biológicos se mostrou um exemplo da construção de partnership, com os principais executivos como sócios e investidores estratégicos como acionistas.
“A Gênica sofreu menos com turnover do que o resto do mercado. Seja por conflitos internos dos players ou pela escassez de mão de obra, esse mercado virou um rouba-monte de gente”, disse um concorrente, citando uma das fortalezas da startup de Piracicaba.
Jardim, da SP Ventures, faz coro ao trabalho de Petean. “O Galaq é a prova de que uma peça na engrenagem pode transformar vinagre em vinho. É revolucionário e o Galaq foi essa peça”, destacou. A capacidade de atrair capital humano foi mencionada por diversas fontes que conhecem o empreendedor. “É um talento surreal em motivar e atrair gente boa”, emendou Jardim, mencionando a cultura de dono (partnership).
Entre os talentos recrutados pelo CEO da Gênica, estão Gerson Marquesi — o Safena —, executivo que lidera o P&D e também veio da Agrivalle. Rodrigo Menezes, chefe de operações da Gênica, fez carreira na Ambev, onde foi líder de indústria. Assim como na fabricação de cervejas, os biológicos têm na fermentação um processo fundamental.
Para onde vai a Gênica
Em entrevista ao The AgriBiz no início da tarde, Petean evitou detalhes financeiros sobre o investimento recebido pela companhia, mas explicou o racional por trás da rodada e os planos de crescimento da Gênica nos próximos anos.
Com os R$ 68 milhões captados, a startup vai investir principalmente em P&D e acesso a mercados, ampliando as regiões e culturas agrícolas atendidas. “Para crescer na velocidade que a gente almeja e investir em P&D sem deixar o negócio endividado, levantar capital é inerente”, explicou Petean.
Como boa parte da indústria de defensivos agrícolas, a Gênica é intensiva em capital de giro. Como os prazos de pagamento dos distribuidores e clientes diretos costumam respeitar a lógica da safra, é preciso de recursos para sustentar o balanço.
Com a estrutura de capital saudável, a Gênica pode continuar fomentando os investimentos do time de P&D, um grupo de cerca de 30 pessoas. Uma das grandes apostas da companhia é lançar alternativas aos fungicidas químicos a partir de moléculas orgânicas.
Esse é o tipo de pesquisa que, dentro da startup, os técnicos chamam de terceira geração dos biológicos. Esse tipo de produto é muito mais difícil de replicar, o que pode criar uma barreira para os concorrentes.
Nesse rol de novidades está a vacina contra a ferrugem da soja, um negócio de potencial disruptivo. Depois de enfrentar algumas dificuldades iniciais e refinar as pesquisas, a Gênica voltou a se animar com o produto. Segundo Petean, a vacina contra a ferrugem entrou em fase regulatória. Não será uma surpresa se o novo produto for lançado em 2025, disse outra fonte.
Enquanto avança no P&D, a Gênica também vai acelerar a área comercial, buscando atingir áreas pouco atendidas pela companhia, como Mato Grosso do Sul, o Vale do Araguaia e a região Sul do País. Os planos também incluem ampliar a penetração em culturas como café, hortifrútis e algodão.
Atualmente, soja (60%), cana (25) e milho (10%) são as principais culturas atendidas pela empresa.
Recentemente, a Gênica triplicou a área onde está a fábrica, o que lhe permite ampliar a produção em muitas vezes nos próximos anos.
Como estão os recebimentos?
Em uma safra conturbada como a atual, a Gênica conseguiu passar relativamente ilesa aos atrasos da pagamentos. “Não podemos reclamar”, destacou Petan.
A forma como a Gênica distribui as vendas também ajuda: cerca de 50% ocorrem por meio de distribuidores (revendas ou cooperativas) e o restante por vendas diretas, para grandes clientes como Raízen, BP Bunge e Cofco. Na venda a grandes grupos, os riscos de atraso são naturalmente menores.
Neste ano, a expectativa da Gênica é crescer 70%, fazendo R$ 230 milhões em faturamento. O plano de longo prazo é chegar nos R$ 500 milhões no ano que vem. “Não podemos tirar o pé do investimento”, resumiu Petean.
A presença da Mitsubishi e do Banco do Brasil entre os sócios tem potencial para destravar um valor que vai além dos recursos financeiros aplicados na Gênica. No Brasil, os japoneses são donos da Agrex, uma companhia que produz mais de 20 mil hectares de grãos no Maranhão e possui ativos que incluem revendas. A oportunidade é ganhar um canal adicional de vendas.
Com o Banco do Brasil, uma avenida a ser explorada está no financiamento, aproveitando a capilaridade do banco para levar o Regenera, o pacote de serviços e produtos que a Gênica oferece para os agricultores fazerem a transição para uma agricultura regenerativa.
Desde a fundação, em 2015, a Gênica fez quatro rodadas de equity, incluindo a mais recente. O primeiro cheque veio da SP Ventures, em 2017. Três anos depois, a companhia atraiu a Nitro. A americana Mosaic investiu em 2022 e vem demonstrando um interesse especial pelo negócio: Eduardo de Souza Monteiro, o principal executivo da gigante de fertilizantes, faz parte do conselho da Gênica.
Por uma questão de governança, a participação que a Nitro detinha na Gênica foi transferida para a Faro Capital, holding que reúne os investimentos de famílias tradicionais na produção de cana e laranja. A Faro é dona da Nitro, uma indústria química centenária que, sob a liderança de Marcos Cruz, se tornou um player importante de insumos agrícolas nos últimos anos.