Se Banco do Brasil e Caixa contavam com uma clientela cativa entre funcionários públicos, essa característica vem sendo corroída pelo menos desde o início dos anos 2000, com a criação do crédito consignado e da conta salário, e nos últimos dez anos pelas mudanças tecnológicas e regulatórias que abriram espaço para fintechs, bancos digitais, open banking e o próprio Pix.
“É verdade que os bancos públicos têm uma atuação muito forte junto a prefeituras e governos estaduais, tinham até uma certa hegemonia”, admite o analista Luis Miguel Santacreu, da agência classificadora de riscos Austin Rating. “Mas com o crédito consignado os bancos privados entraram no mercado dos funcionários públicos, e governos estaduais e prefeituras fizeram verdadeiros leilões de suas folhas de pagamentos para os privados disputarem com os estatais”, lembra.
De fato, dados do Banco Central publicados no “Relatório de Economia Bancária” (RBE) de 2023 (base 2022) mostram que “outros” bancos, que não os cinco maiores (Bradesco, BB, Caixa, Itaú e Santander) dominam o mercado de crédito consignado, com 25,62% das operações, ficando o BB em segundo lugar (20,35%) e a Caixa, terceiro (16,37%).
O professor Armando Castelar Pinheiro, da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, observa que, se os bancos estatais eram vistos como importantes por atender públicos que o setor privado não tinha interesse, “hoje, com banco digital, ter acesso ao sistema financeiro não depende de banco público”, como no passado. “Mesmo o financiamento imobiliário ou o crédito agrícola não são mais o que eram quando só Caixa e BB operavam. Hoje tem Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA)”, sustenta Castelar, pesquisador do IBRE e um dos organizadores do estudo “Mercado de Capitais e Bancos Públicos”.
Para o professor de economia da Unicamp Fernando Nogueira da Costa, que foi vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa de 2003 a 2007, “os grandes conglomerados dividem entre si as diversas áreas de atuação, focalizando certos nichos de mercado, embora tenham presença em todos”: a Caixa domina o financiamento habitacional, com 66,25%; seguida pelo Itaú (11,46%) e o Bradesco (8,95%). Já o BB abarca 51,3% do financiamento rural e agrícola a pessoa física e jurídica, ficando “outros bancos” com 31,77%. O Bradesco, por sua vez, é o maior dos conglomerados no capital de giro, com 16,31% do mercado, enquanto 36,45% pertencem a “outros” bancos. Na aquisição de recebíveis, o Bradesco tem 22,82% de market share, atrás dos “outros” (29,11%). Já o Santander domina o financiamento de veículos, com 23% do segmento.
Costa, autor de diversos livros sobre o sistema bancário brasileiro, entre os quais “O Brasil dos Bancos” e “Bancos Públicos no Brasil”, também ressalta a maior capacidade de investimento em tecnologia dos cinco grandes para lançar produtos novos e oferecer melhor atendimento.
A vice-presidente de negócios digitais e tecnologia do BB, Marisa Reghini, reconhece a necessidade da instituição monitorar tendências e tecnologias emergentes. “Já temos áreas de atendimento, meios de pagamentos e apoio administrativo, por exemplo, utilizando inteligência artificial generativa e continuamos avançando nos estudos com o objetivo de alavancar o uso dessa tecnologia”, diz ela – que só no primeiro trimestre deste ano alocou R$ 1,4 bilhão para atender novas demandas do negócio, como dar conta dos 19,7 milhões de clientes que preferem tratar com o banco via WhatsApp.
A Caixa, que tem agências e pontos de atendimento em 99% dos municípios brasileiros, informou, em nota, ter adotado um programa visando “acelerar a transformação digital no banco, incentivando novas formas de pensar e de fazer e uma cultura de agilidade, experimentação e aprendizagem contínua”.
Nesse quesito das tendências e inovações, o BB e a Caixa realizaram a primeira transferência de recursos entre bancos públicos através do real digital, o Drex, em um piloto estruturado pelo BC.
A Caixa detalhou que a expectativa com o Drex e o uso de tecnologias blockchain e tokenização é de melhorar, baratear e democratizar serviços financeiros. “A viabilização da moeda digital vai significar maior agilidade nas transações financeiras, por exemplo, em financiamentos imobiliários, podendo diminuir o tempo de espera pela liberação dos recursos”, indica a instituição.
“Os bancos públicos têm ciência de que precisam oferecer apps aos clientes, como fez a caixa com o Caixa Tem, para atender uma parcela da população brasileira que ou não é bancarizada ainda ou tem uma certa dificuldade em usar aplicativos. Isso não é uma desculpa para não inovar e não concorrer com as fintechs”, resume Santacreu.