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O argentino Mariano García-Valiño, de 59 anos, fundador e CEO da healthtech Axenya — Foto: Divulgação

Fundadores de startups estão mais velhos — e isso é bom

Vinte e poucos anos, recém-saído da faculdade, com uma ideia genial e zero experiência: muita gente descreveria assim um típico fundador de startup, mas o senso comum se contrapõe às estatísticas. Nos Estados Unidos, a média de idade dos fundadores é de 42 anos; no Brasil, é de 40 anos – e o clube dos 50+ não para de crescer. 

Além da experiência no mercado corporativo e em ciclos diversos da economia, esses empreendedores muitas vezes já conseguiram acumular recurso próprio para dar início a uma empresa, ficando menos dependentes da liquidez dos fundos de venture capital. Um estudo da Harvard Business Review mostrou que essa bagagem pode ajudar a startup a atravessar o vale da morte. No recorte de 0,1% das startups que tiveram maior crescimento nos primeiros cinco anos de operação, os fundadores iniciaram a jornada empreendedora quando tinham, em média, 45 anos de idade.

O argentino Mariano García-Valiño, de 59 anos, fundador e CEO da healthtech Axenya — Foto: Divulgação

“Eu atribuo nosso sucesso a alguns fatores, um deles é a minha experiência”, diz Ana Borges, a fundadora e CEO da fintech OnlyPay. Ela tem atualmente 56 anos e é mãe de dois filhos já adultos. “Tocar uma fintech num setor extremamente fechado e masculino não é simples. É preciso uma resiliência muito grande, não só minha como da minha equipe, que é 70% composta de mulheres”.

Com a operação de cartões para bonificação e recompensas, a OnlyPay atende mais de 90 clientes corporativos de diversos segmentos e portes, como Porto Seguro, Cyrella, DSM e L’Oreal. Borges trabalhava no mercado de marketing de incentivos desde 1989, mas foi aos 50 que fundou sua primeira empresa.

Na Axenya, healthtech de monitoramento de pacientes com doenças crônicas, o argentino Mariano García-Valiño está em sua segundo jornada empreendedora. Engenheiro com MBA em Harvard, o executivo passou pela Pfizer e Warburg Pincus, cobrindo o setor de saúde, além de ter fundado a Biotoscana, farmacêutica que chegou a ser listada no Brasil em 2017 e mais tarde foi vendida para a Knight Therapeutics, em 2019. Nesse meio tempo, juntou capital para empreender.

“Sou muito cauteloso com capital externo”, conta o argentino. “É uma questão de conhecer o caminho das pedras, a essa altura você já se viu contra a parede diversas vezes. Eu evito other peoples’ money. Arriscar com dinheiro dos outros é muito fácil.”

Até hoje a Axenya, criada no Brasil, levantou cerca de US$ 6 milhões, sendo que Valiño colocou US$ 1 milhão do próprio bolso. O restante foi captado com fundos como Big Bets, Alexia Ventures, NXTP e Igah. Mesmo assim, a healthtech conta com 100 mil vidas na carteira. Para efeitos de comparação, a Alice, que captou US$ 200 milhões, tem 30 mil usuários, e a Sami, com 15 mil vidas no portfólio, já captou US$ 40 milhões (ambas com fundadores mais jovens).

Como funcionário da Varig nos anos 1980, o pernambucano Tuca Andrade, hoje com 65 anos, tirou da péssima experiência dormindo em aeroportos a ideia para sua SiestaBOX. A empresa de cabines de descanso tem operação em Brasília, Campinas e Recife atualmente. A experiência trabalhando com Roberto Massa nos anos 1990, levando turistas para a Disney, e empreendendo com turismo no Nordeste, tornam a viagem mais agradável para o empreendedor, que não se intimida com a mudança dos tempos.

“No fundo é o seguinte: quando a gente fala em startup, tem que ter a noção de que é um negócio como qualquer outro. O que é a SiestaBOX? É um hotel, que compete com outros que ainda estão na Idade da Pedra. É uma questão de mentalidade: modificar procedimentos, atualizar conceitos, buscar caminhos novos para algo que já existe. O mundo passa por muitas mudanças, é preciso saber se adaptar.”

Na percepção da associação Abstartups, empresas com founders mais experientes têm recebido mais atenção dos investidores dado o momento de maior austeridade. “Comparando com os nossos dados sobre investidores, o público de 40 anos ou mais conduz melhor as startups numa captação. O mercado tem olhado muito questões como estabilidade, a saúde financeira, e isso vem da experiência dos founders também”, diz Sabrina Barbosa, diretora de operações da Abstartups. “Quando o empreendedor é muito jovem, a startup tem um risco de mortalidade maior na visão dos investidores.”

A JazzTech passou pelo momento de oba-oba no mercado financeiro com o pé no chão. A plataforma de infraestrutura financeira white label para empresas foi fundada pelo ex-Rio Bravo Investimentos José Roberto Kracochansky, após vender a Unik para o grupo WEX.

“Quando a gente começou, achava que não era para mim. Não conseguia ter um discurso de cash burning como os jovens, algo que estava muito em alta na época. Às vezes a ignorancia é uma benção: quando se desconhece o risco, é mais fácil se permitir ser ousado”, diz Kracochansky, CEO e fundador da JazzTech. “A criatividade é bacana, mas precisa ser balanceada. Aqui a gente fez isso contratando muita gente nova. Fica uma combinação boa.”

Até porque, se o founder está cada vez mais maduro, não dá para dizer o mesmo das equipes. As starups ainda contam com times enxutos e formados por jovens com pouca experiência no mercado. “Nem tudo é positivo. Aqui eu faço planilha no Excel, comercial, de tudo um pouco. É muito diferente do que eu era acostumado a fazer quando administrava empresas com mais de 4 mil funcionários”, compara Newton Maia, fundador e CEO da Principia.

Maia fundou a Principia para apoiar as faculdades privadas na gestão financeira e retenção de alunos, depois de anos de experiência no setor de educação em uma carreira que tem passagem pela McKinsey e Advent. Há pouco mais de um ano em operação, a startup já fatura cerca de R$ 50 milhões e adquiriu, recentemente, a Provi, de crédito estudantil. Há alguns meses, a empresa captou R$ 200 milhões numa rodada mista de equity e FIDC liderada pela Valor Capital, com participação da ARC Capital, Spectra, Supera e FJ Labs.

“A questão de atrair investimentos acredito que tenha muito mais a ver com os próprios ciclos do mercado de venture capital. O que eu vejo como determinante para mitigar risco e a operação ter sucesso é o que chamamos de ‘founder market fit’. Ou seja, o empreendedor precisa conhecer muito o mercado em que está atuando, independentemente da idade.”

Fonte: Pipeline
Por: Manuela Tecchio

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