A indústria de venture capital (VC) é um negócio simples e de um ciclo longo de, no mínimo, 10 anos. De uma forma resumida, as gestoras levantam dinheiro com os investidores (conhecidos como limited partners ou LPs). Durante cinco anos, investem os recursos em startups que acreditam promissoras e que podem dar altos retornos. Nos próximos cinco anos, buscam uma saída, que pode ser um M&A ou um IPO, para devolver o capital aos LPs.
Na época do excesso de liquidez, a captação era fácil e os aportes frequentes – em alguns casos, com valuations estratosféricos. Agora, uma pesquisa está trazendo luz para a última parte dessa equação e mostrando o lado B das startups e da indústria de VC: a saída dos investimentos. E as conclusões são que, diante do capital investido, vai ser muito difícil ter um retorno alto para os investidores.
De acordo com relatório realizado pelo investidor e ex-empreendedor Cassio Azevedo, no período de 2019 a 2023, foram investidos R$ 133 bilhões em startups no Brasil. Se se considerar o retorno com um múltiplo de três vezes sobre esse capital investido, seriam necessários R$ 400 bilhões em liquidez (IPOs & M&As) nos próximos cinco anos.
“O assustador dos dados é que vai ser preciso um volume de liquidez brutal para entregar um MOIC (Multiple on Invested Capital) honrado de três vezes”, afirma Azevedo, ao NeoFeed, se referindo ao indicador que mede quanto valor foi gerado em relação ao capital investido.
Nos próximos cinco anos (2024 a 2028), seriam necessários R$ 80 bilhões por ano, em média, para dar liquidez aos fundos de venture capital. Mas, no melhor ano da série analisada por Azevedo, em 2021, os IPOs e M&As movimentaram R$ 31,5 bilhões no Brasil.
Os dados analisados por Azevedo vão de 2010 a 2023. Ele usou informações da TTR, uma consultoria que mapeia fusões e aquisições e investimentos de venture capital e private equity. O Pitchbook, uma das principais casas de dados de VCs, também foi utilizada.
O NeoFeed conversou com cinco gestores de venture capital para ver a percepção deles sobre as conclusões desse estudo. E, quase em sua maioria, eles concordaram que a indústria de venture capital tem um problema mais para frente, fruto não só do excesso de liquidez, como também dos valuations exagerados de 2020 e 2021.
“O problema está contratado”, diz um gestor ao NeoFeed. “É como a previdência brasileira: uma hora vai estourar.” Outro investidor concorda: “É um inferno conseguir liquidez, principalmente para deals grandes. Vai ter um crash no mercado de VC de 2025 a 2028”, afirma essa fonte.
Um terceiro gestor acrescenta que saídas são uma questão para toda a indústria de investimentos alternativos. “Obviamente, quem investiu em valuations altos demais vai ter de encarar write-offs significativos”, diz essa fonte, que lidera um fundo de growth. Nas palavras de um gestor muitos fundos podem ficar sem alternativa para liquidar o portfólio. “Nos EUA, você tem comprador por algum preço. No Brasil, a qualquer preço, pode não ter comprador”, afirma essa fonte.
Por outro lado, um dos gestores com quem o NeoFeed conversou fez a ressalva de que há os chamados outliers, aquelas empresas que se destacam e dão retornos muito altos – e que podem ser a salvação de muitos fundos. “O Nubank já vale quase R$ 300 bilhões”, afirma. “A verdade é que, no mercado de VC, poucos conseguem um retorno de mais de três vezes o capital investido.”
As conclusões do estudo de Azevedo levam em conta a mediana. Isso significa que a média do mercado vai ter um desempenho ruim nos próximos anos e não vai conseguir saída para os investimentos realizados.
Mas, como em qualquer atividade, os bons gestores vão se destacar e vão conseguir retornos acima da média. “A indústria de venture capital, na média, é um business ruim”, afirma um gestor que comanda um fundo de early stage. “Só é bom para os bons fundos.”
O caso brasileiro, depois do excesso de liquidez, se agrava pelo cenário macro. Os juros devem voltar a subir neta quarta-feira, 18 de setembro, quando o Banco Central deve anunciar um novo aperto monetário – uma notícia ruim para a indústria de investimentos alternativos.
Ao mesmo tempo, a seca do mercado de venture capital, que reduziu os volumes de aportes em 2022 e 2023 – e mostra uma tímida recuperação em 2024 – foi mais severa para o capital para growth, que são os aportes a partir de rodadas de série B.
Muitos fundos internacionais deixaram o Brasil e a América Latina de lado. Outros, que foram importantes para impulsionar o mercado pararam de investir, como é o caso do Softbank. E alguns poucos tornaram-se a mais diligentes na hora de assinar um cheque com valores altos.
Esse cenário deve gerar duas consequências. O primeiro deles é que o mercado de secundárias – em que alguém compra a fatia de um fundo – deve não só se estabelecer, como ter chance de crescer no mercado brasileiro.
Essa é uma área pouco desenvolvida no Brasil – a Spectra, por exemplo, é uma das principais players nesse espaço. Mas, segundo apurou o NeoFeed, muitos investidores estão começando a olhar para esse tipo de investimento.
A segunda consequência é que os valuations e os múltiplos de M&A serão menores em eventos de liquidez. E não há janela para IPOs – quando ela se abrir não será para empresas tech. “Na minha cabeça, em vez de ficar esperando o mercado melhorar, os fundos de VC deveriam aceitar os novos termos e reciclar o capital”, diz Azevedo, o autor do estudo.
Azevedo é um ex-executivo da trading de commodities Glencore e empreendedor que criou duas startups: a Advanced Potash Technologies (deep tech de fertilizantes com patentes com o MIT, nos EUA) e a Medicinae Solutions (fintech do setor de saúde vendida para Afya em 2021). Ele também atuou na gestora Astella até 2022.
Hoje, ele é um investidor solo. Sua recomendação? “Tem muitas boas empresas no Brasil, mas o preço mudou. E os players deveriam se ajustar a esse novo cenário.”