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O que está por trás do Acqui-Hiring?

As startups de laboratório que nascem só para vender propriedade intelectual.

As operações de acqui-hiring tem movimentado significativa parcela de valores quando se trata de fusões e aquisições em geral, segundo publicação da Sling Capital, uma plataforma que compila dados de corporate venture capital do mercado brasileiro.

O Nubank, por exemplo, anunciou a aquisição da Plataformatec, companhia especializada em engenharia de software e metodologias ágeis, no início de 2020. E, logo depois, a Cognitect, consultoria de engenharia de software. O objetivo foi absorver os colaboradores das empresas com dezenas de profissionais de engenharia, software e metodologias ágeis. Também em 2020, a Loggi adquiriu o empreendimento de Inteligência Artificial WorldSense e a Gympass adquiriu a Flaner pelo mesmo motivo. A iFood, aplicativo de entregas líder na América Latina, adquiriu a Hekima, empresa de IA, ciência de dados e Big Data. A Magazine Luiza adquiriu a InLoco Media e o Canaltech, posicionando-se no universo da publicidade digital com ênfase nas capacidades de segmentação. A XP, com a aquisição de parcela majoritária do capital social da fintech Antecipa, também não fica para trás e já anunciou que realizará outras operações do mesmo perfil em breve.

É de se notar que todas as operações foram comandas por empresas líderes dos respectivos segmentos e tendo como principal fio condutor abreviar o tempo se investissem no caminho tradicional de pesquisa e desenvolvimento, ou seja, em propriedade intelectual. A médio prazo, o retorno do investimento é recuperado e, ainda, ganha-se em potencial competitivo, na medida em que se posiciona com pioneirismo (first mover) em um mercado ainda pouco explorado.

Nos últimos anos, foi possível verificar, de forma recorrente por profissionais ligados à área de fusões e aquisições um interessante fenômeno. Empresas com pouco tempo de vida, sem qualquer receita e valuation baixíssimo são adquiridas por gigantes da tecnologia do Vale do Silício por etiquetas que chegam à marca de milhões de dólares.

O fenômeno denominado acqui-hiring, neologismo usado para definir a aquisição (“acquisition”), por parte de grandes empresas, de startups em early-stage, pouco tem a ver com o interesse dessas companhias no modelo de negócios da startup ou em seu MVP (Minimum Viable Product) inovador. Do contrário, aquisições dessa magnitude são realizadas unicamente com a intenção de obter para si talentos contidos e escondidos no âmbito de empresas neófitas que buscam colocação rápida e escalável no mercado (“hiring”). Trata-se, portanto, de um neologismo que vem ganhando espaço nos últimos anos dentro do ecossistema empreendedor, em especial no começo dos anos 2000.

Empresas líderes no mercado de tecnologia no Vale do Silício, como o Facebook e a Google vem efetuando, com relativa frequência, transações envolvendo startups que suprem, por meio de transações de acqui-hiring, a intensa e crescente demanda de empresas por profissionais ligados à área de tecnologia, em especial engenheiros de software que já possuem projetos e operações em curso, com alta capacidade de agregar valor por terem participado ativamente na concepção, desenvolvimento e acabamento de produtos tecnológicos de ponta.

A prática é mais frequentemente direcionada para startups early stage, pois nestas se verifica um cenário particularmente favorável: empresas sem muitos ativos palpáveis consideráveis, mas repletas do capital mais precioso em tempos de extrema informatização e digitalização de processos e sistemas – o humano. O dono do gigante Facebook – empresa entusiasta da ferramenta de contratação através de aquisição –pontuou certa vez: “Nós compramos companhias para conseguir excelentes pessoas.”. Resumiu com acurácia o instituto de acqui-hiring, sobre o qual discorreremos a seguir.

O apetite das Big Techs

Em um mercado dinâmico e volátil, o modo como grandes empresas se empenham em expandir novas competências, reter talentos e desenvolver novas tecnologias de ponta impacta diretamente em sua perspectiva de sobrevivência e crescimento.

Para Coyle e Polsky, dois grandes entusiastas do tema, trata-se de uma aquisição típica, a principal finalidade da aquisição é para obter a propriedade dos ativos da empresa, quer sejam tangíveis (por exemplo bens, instalações e equipamentos) ou intangíveis (p. ex., bens intelectuais, instalações e equipamentos) ou intangíveis (p. ex., bens de propriedade, listas de clientes e boa vontade). Em uma transação de acqui-hire, ao contrário, a empresa adquirente dá pouco ou nenhum valor aos ativos de propriedade da empresa alvo. Em vez disso, a transação ocorre principalmente porque o adquirente deseja contratar parte ou a totalidade dos ativos da empresa alvo, funcionários da empresa.

Quaisquer aquisições, portanto, que tenham como motivação principal a aquisição de novos talentos estarão enquadradas, portanto, no instituto de acqui-hiring, distinguindo-se conceitualmente de aquisições convencionais, que possuem como causa raiz a simples aquisição de produtos, ideias e estruturas – ou seja, ativos duros, palpáveis.

Não é de se impressionar, portanto, que o fenômeno tenha ganhado proporção nos últimos anos, e papel de destaque nas principais rodadas de aquisições. Uma insaciável demanda de empresas por talentos nas áreas de engenharia, desenvolvedores de software e tecnologia da informação. O cenário é clássico: capacidade computacional exponencial atrelado a modelos de negócios escaláveis e altamente adaptáveis a demandas mercadológicas atuais. Falta capital humano apto a manejar a realidade virtual e sobram empresas e startups que necessitam de mão-de-obra qualificada e, acima de tudo, computadorizada.

Instaura-se uma política ferrenha de bônus e incentivos, embasados em altos salários e projeções de cargo que visam reter talentos em empresas já estruturadas, com projetos já iniciados. Ainda assim, não raro veem-se profissionais dispostos a dar início a seus próprios projetos, pessoais ou coletivos em conjunto com outros profissionais, em detrimento de bonificações, e é neste ímpeto empreendedor que reside o grande dilema que dá vida ao fenômeno do acqui-hiring.

Nem sempre trabalhar para uma grande empresa de tecnologia está nos planos de um engenheiro de software ou para um profissional ligado à área de tecnologia. A possibilidade de decidir sobre os rumos de sua própria empresa e do produto é bastante atrativa a muitos, que veem na possibilidade de multiplicar seus investimentos motivo suficiente para alçar vôo solo.

A tecnologia, por si só, com o aumento exponencial da capacidade computacional e com a possibilidade de armazenamento de documento em nuvens trouxe consigo consideráveis reduções de orçamentos estruturais para montar o próprio negócio, em especial para startups de base tecnológica. Empreendedores que possuem o know-how, portanto, e um bom produto para oferecer, se posicionam favoravelmente em termos competitivos no mercado, ocupando lugares privilegiados em rodadas de investimento que basicamente recusam todo e qualquer “deal” desvinculado de tecnologia nos dias atuais.

Verifica-se, portanto, não só um cenário de escassez — ou seja, ausência de novos engenheiros e funcionários da área tecnológica dispostos a adentrarem em grandes companhias — como também é possível verificar um cenário de extrema evasão e competitividade.

Vantagens e desvantagens

A decisão de seguir em frente com uma transação de acqui-hiring – seja ela tomada pelo time de fundadores ou pela diretoria executiva das grandes companhias adquirentes – passa por muitas fases de avaliação de viabilidade, com a ponderação dos prós e contras envolvidos em prosseguir com a operação.

Mas por que cada vez mais empresas, diretores e fundadores optam pelo procedimento em vez de, simplesmente, optarem pelo rito padrão de contratação de funcionários?

Resumidamente, são três os fatores que impulsionam a abordagem estratégica de uma operação de acqui-hiring: incorporar ao time profissionais de ponta para elaborar estratégia corporativa em torno do produto principal; impulsionar a inovação com o objetivo de trazer novos funcionários para desenvolver um produto novo e trazer talentos novos para melhorar a oferta de um produto já existente.

De fato, a possibilidade de incorporar em uma única transação um time de profissionais completo, já integrado e com sinergia de grupo, é bastante atraente para empresas adquirentes que desejam impulsionar os fatores mencionados acima. A operação de acqui-hiring, portanto, casa os fatores muito bem.

O procedimento de acqui-hiring, por sua vez, reduz o tempo de inovação de uma empresa ao aglutinar para si toda uma equipe já integrada e acostumada a trabalhar juntas com um mesmo método e tecnologia. Além disso, a operação de acqui-hiring permite que o adquirente incorpore novas competências de forma rápida e orgânica, adaptando-se rapidamente às necessidades industriais e tecnológicas. Afinal, todo o processo típico de contratação é catalisado e substituído por um processo formal de M&A. O terceiro ponto indicado por Coyle e Polsky prevê que, em uma operação de acqui-hiring, pelo fato de ser feito em equipe, os ativos humanos – profissionais altamente capacitados alvos da operação – são mais facilmente reconfiguráveis ao novo ambiente de trabalho.

Uma operação de acqui-hiring pode ser, ainda, uma forma de se antecipar à concorrência por um custo baixo, em uma espécie de terceirização da inovação que permite a expansão e reinvenção de grandes companhias que podem, com esta modalidade de aquisição, mesclar a estrutura de uma grande empresa com o dinamismo e as boas ideias de uma startup.

Pode ser interessante para os fundadores, que podem alcançar a tão sonhada independência financeira com a aquisição, como também para os funcionários, que ganham visibilidade para participar de projetos maiores.

De outro lado, as principais preocupações e impasses se referem ao relacionamento e tratamento com investidores e com o ecossistema de venture capital. Os investidores se preocupam principalmente com o potencial de retorno de suas aplicações.

A comunidade de early adopters vê com maus olhos o alastramento do fenômeno de acqui-hiring, pois indica a facilidade com que empresas de base tecnológica podem ser descontinuadas, afetando a perenidade do uso de serviços e produtos no tempo. Reside, neste ponto em específico, aspecto reputacional temerário a ser avaliado pelo time de fundadores que se preocuparem com a marca da startup mesmo após o processo de aquisição.

Além disso, o cenário é de incertezas quanto à continuidade dos funcionários na empresa adquirente após a operação de acqui-hiring. Isso porque, apesar do propósito norteador desta modalidade de aquisição seja, efetivamente, reter para si os talentos profissionais contidos na startup, não há qualquer tipo de proteção jurídica que garanta sua permanência. Funcionários “adquiridos”, inclusive, apresentam taxas de rotatividade significativamente maiores do que trabalhadores contratados pelo método formal.

Ativos humanos?

Ativos humanos, por motivos óbvios, não são adquiridos e comprados. Motivam, é claro, a operação de acqui-hiring, mas ao contrário do sentido literal da palavra adquirir, devem ser conquistados. São quatro principais dimensões que determinam a integração bem sucedida de recursos humanos em um processo de aquisição: retenção de funcionários, o grau de integração humana, a velocidade da integração e o esforço de aprendizagem empreendido pelo adquirente.

Deve haver um esforço acentuado para integrar as tecnologias da startup adquirida as tecnologias da empresa adquirente, circunstância na qual os funcionários da segunda desempenham papel fundamental, sob pena de afetar diretamente a motivação dos funcionários que virão a fazer parte do corpo de funcionários da companhia adquirente.

A motivação, portanto, faz parte do rol de principais fatores para evasão de funcionários logo nos primeiros anos de aquisição, sendo uma das grandes razões pelas quais uma operação de acqui-hiring pode falhar. Até porque, muitas vezes, esses funcionários não foram ouvidos no processo de aquisição para a contratação.

A integração entre equipes também é de extrema importância. A diferença cultural de equipes e de formas de trabalho pode configurar como grande motivador da evasão de funcionários, que não encontrarão em sua nova empregadora fatores agregadores.

A ausência de voz ativa desses profissionais, que raramente estão elencados voluntariamente na nova empresa, é o grande motivador de um descompasso organizacional, constituindo relevante limitação para o sucesso desse tipo de transação empresarial. A impossibilidade dos trabalhadores de escolherem sobre seu destino eleva, de forma considerável, as taxas de rotatividade.

Nesse sentido, tendo em vista o elevado montante envolvido nesse tipo de transações – algumas aquisições alcançam a casa dos milhões – é possível que o custo esteja em descompasso com os riscos envolvidos com a estabilidade da equipe.

Em resumo: startups de laboratório e ativos humanos nem sempre combinam com valuation.

Fonte: MIT Technology Review
Por: MIT Technology Review

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