Muitas organizações têm apostado fortemente em soluções baseadas em inteligência artificial e técnicas baseadas em estrutura de dados em grandes quantidades. Não resta dúvida sobre a importância destes modelos analíticos e o potencial tecnológico em jogo no atual contexto corporativo. No entanto, e longe de querer banalizar o uso de qualquer tecnologia digital, bem como o potencial de soluções atualmente disponíveis no mercado, torna-se mais do que necessário o entendimento dos mecanismos vigentes de financiamento e oportunidades de ganhos sobre os investimentos realizados em inovação.
Se a lupa estiver apontada para o mercado americano e europeu, por exemplo, a existência de fomento público e adoção de inúmeros instrumentos subsidiados para investimentos de longo prazo em empresas de tecnologia sustenta o desenvolvimento de mercados baseados em inteligência artificial e tantas outras tecnologias, além do universo da computação. Estes mecanismos de financiamento público viabilizam a criação de startups com foco em tecnologias únicas de ruptura, com possibilidades para possíveis perdas, custo reduzido e tempo maior para retornar o capital ao investidor, em geral. Além disso, as taxas de juros praticadas nestes mercados internacionais são absolutamente baixas, permitindo uma maior mobilização de recursos e riscos maiores assumidos.
Observando outros cantos do planeta, como o Brasil, tem-se uma realidade completamente distinta. Os ciclos financeiros em solo brasileiro são bem diferentes, com taxas de juros altas, pressões inflacionárias relevantes, gastos públicos em patamares elevados e, como resultante, a disponibilidade para fomento aos inovadores acaba sendo infinitamente menor do que observados acima da linha do Equador. Ou seja, a predisposição para alocar recursos em empreendimentos tem um crivo bem diferente, com diligência legal mais apurada, análises financeiras mais detalhistas e sendo traduzido em um belo desafio para o fundador em gerenciar seu negócio.
Neste sentido, as oportunidades para inovar em solo tupiniquim acabam lastreadas em setores da economia com boas perspectivas de resultado financeiro e crescimento potencial considerável. Os dados do Núcleo de Inovação e Tecnologias Digital da Fundação Dom Cabral (FDC) são bem evidentes. Isto é, nos últimos anos, as startups que receberam grandes volumes de recursos foram aquelas com forte atuação em setores tradicionais, como financeiro, agronegócio, varejo, energia e saúde. Estes foram os setores da economia com amplas taxas de lucratividade, margens crescentes e com demanda para solução de problemas de negócio.
Pensar em soluções de inteligência artificial seria um advento para poucos bem aventurados, ainda mais pelo alto custo de capital envolvido. A aposta de alguns empreendedores seria percebida com risco elevado, retorno duvidoso, ainda mais no cenário de crescimento abaixo do potencial instalado para os próximos anos para a economia brasileira. Além disso, dados do Banco Central do Brasil (BC) indicam que as expectativas de crescimento para o mercado estão vinculadas aos fundamentos de setores muito tradicionais e baseados ao mercado para exportação de commodities.
Se a sua aposta está em inovar em grandes organizações, quiçá em empreender no universo das startups, talvez seja o momento de compreender temas como potencial de crescimento de mercado, desempenho de setores da economia, custo de capital, taxa de juros, múltiplos e sobre o comportamento do governo em questões como orçamento público, além de tantos jargões da ciência da computação.
Por mais que a inteligência seja artificial, como um dia a energia elétrica assim o foi no passado, pense em alocar seus recursos em inovação da mesma forma que gestores de portfólio de projetos em fundos de investimentos. Ou seja, diversificar seu tempo, dinheiro e expectativa de retorno em fundos tradicionais com retorno garantido vis a vis fundos com perfil arriscado e retorno arriscado deveria estar na agenda de forma equilibrada. O entendimento que os fundamentos do mercado nacional são bem diferentes de outros mercados globais deveria esta na pauta, com análises do nosso potencial atual e expectativas bem realistas para o futuro.
*Hugo Ferreira Braga Tadeu é diretor do Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da FDC. Conselheiro de administração e consultivo.