2024 tem sido um ano conturbado para a Carta, startup que fez seu nomes ao se tornar uma espécie de “oráculo” com sua solução para gerir os cap tables das startups. Depois de passar por algumas polêmicas no começo do ano, a empresa agora está de olho em uma nova captação, mas segundo fontes, o downround será pesado.
Conforme reportou o site TechCrunch, a startup está em negociações com o banco de investimentos Jeffries para uma venda secundária de ações, mirando um valor estimado em US$ 4 bilhões. Entretanto, segundo fontes próximas à empresa, se ela conseguir US$ 2 bilhões na transação, já pode ser considerada uma vitória.
Olhando em retrospecto, a marca de US$ 2 bi representa um corte e tanto no valor que a Carta já teve no mercado. Em meados de 2020 e 2021, a empresa era vista por muitos como o futuro das transações secundárias para startups e empresas privadas. Na época, ela lançou o CartaX, plataforma que tinha a ambiciosa meta de ser o ponto central para todas as transações deste mercado.
Aliás, foi por meio do CartaX que a própria Carta conseguiu valorizar o seu negócio. De um valuation de US$ 3,1 bilhões em 2020, a empresa conseguiu vender US$ 100 milhões em ações na metade de 2021, colocando o valuation da companhia acima da marca dos US$ 7 bilhões.
Para completar, no fim de 2022, o CEO da empresa, Henry Ward, disse ao site Axios que a Carta tinha chegado aos US$ 8,5 bilhões de valor de mercado, resultado de uma nova oferta secundária feita aquele ano.
Ao longo dos anos, a Carta levantou cerca de US$ 1,2 bilhão de investidores. Algumas das empresas de risco que lideraram rodadas na empresa incluem Union Square Ventures, Andreessen Horowitz, Spark Capital e Tribe Capital.
E daí veio a polêmica
Entretanto, no começo do ano uma denúncia de um founder abalou a confiança na companhia, que foi acusada de uso indevido das informações contidas na plataforma. O CEO da startup finlandesa Linear, Karri Saarinen, denunciou em suas redes sociais que representantes da Carta estavam usando indevidamente informações da sua companhia para oferecer ações para compradores externos. Detalhe: a Linear não estava interessada em vender ações.
Inicialmente, o CEO da Carta tentou transferir a culpa, dizendo que o tal representante estava agindo sem o consentimento da companhia. Entretanto, em seguida mais clientes reportaram outras ações semelhantes por conta de outros funcionários da Carta.
Resultado: poucos dias depois Henry Ward anunciou que a Carta estava desativando o seu mercado secundário. “Como temos os dados, se estivermos negociando secundários, as pessoas sempre se preocuparão com o fato de estarmos usando os dados, mesmo que não estejamos. Por isso decidimos priorizar a confiança e sair do negócio de comércio secundário”, disse Henry, em nota.
Agora, segundo fontes, a Carta parece estar retornando às suas raízes – e a uma avaliação anterior que provavelmente é mais adequada ao negócio. Embora o negócio de cap table da Carta ainda esteja crescendo, fontes ligadas à empresa revelaram ao TechCrunch que a Carta gerou US$ 380 milhões em faturamento no ano passado – ela também perdeu US$ 65 milhões em 2023, e o modelo de negócio da companhia não dá muitas avenidas adicionais para gerar receita.
Mercado secundário não funciona?
Em um tom humilde comparado às recentes discussões que ele teve com fundadores que reclamaram da empresa nas redes sociais, o CEO da Carta chegou a admitir que suas ideias de criar um veículo para dar liquidez aos usuários não funcionaram.
“Trabalhei no problema de liquidez das startups há quase uma década e gastei US$ 150 milhões tentando resolvê-lo. Depois de uma década perdida (e de uma quantidade inacreditável de dinheiro), concluí que a construção de um mercado privado secundário é um problema intratável que não pode ser resolvido”, disse Henry Ward em um texto publicado essa semana no seu LinkedIn.
Em uma análise desiludida com o mercado, Henry explicou que para um marketplace secundário tem poucas chances de funcionar. Para o executivo, o sucesso de um marketplace secundário depende de suas variáveis: liquidez e descoberta de preço. Entretanto, com suas experiência na CartaX, ele percebeu que estas duas variáveis, no mercado privado, não são features, e sim quebras no padrão – e isso nem sempre é garantia de sucesso.
“O único produto de liquidez que parece funcionar nos mercados privados é a oferta pública (tender offer). Na verdade, resolve ambos os problemas porque só fornece liquidez depois que o CEO aumenta a rodada primária e o preço já está definido ao combiná-lo com a rodada primária. É a forma dominante de liquidez hoje. Porém, todas as tentativas de criar um mercado nos mercados privados falharam. Incluindo as três vezes que tentei. E é simplesmente porque a liquidez e a descoberta de preços são bugs, não recursos, em nosso setor”, finalizou Henry.